Coluna | Venezuela, extravagância nas alturas – Carol Proner e Larissa Ramina

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Sem a pretensão de esgotar a vasta lista de violações de direitos soberanos da Venezuela pelos Estados Unidos, vamos à extravagância dos últimos dias, o anúncio do fechamento do espaço aéreo “nos arredores “e “sobre” a Venezuela.

A ameaça veiculada no Truth Social de Donald Trump destina-se “a todas as companhias aéreas, pilotos, narcotraficantes e traficantes de pessoas”, fórmula bizarra de intimidação, criminalização generalizada de atividades econômicas e da cidadania de outro país. Além do mais, as declarações alcançam um princípio basilar do direito internacional, o direito a autodeterminação dos povos, ao tempo em que configura afronta gravíssima à soberania territorial da Venezuela.

É fato que fóruns multilaterais, como as Nações Unidas, podem estabelecer zonas de exclusão aérea com o fim de combater crimes. Até mesmo acordos bilaterais podem estabelecer processos coordenados de jurisdição soberana, mas jamais unilateral e coercitivamente.

Especialistas debatem se existe uma estratégia bem pensada por trás das coerções (regime change) ou trata-se de barganhas improvisadas em busca de minérios e petróleo, ou os dois. Fato é que a retórica militar tem sido utilizada pelo rebatizado “Departamento da Guerra” como parte da estratégia de desestabilização governamental e amedrontamento da população.

São debatidos entre os estrategistas possíveis paralelos entre os planos de invasão em curso e as experiências intervencionistas do passado, domínio sobre aeroportos, invasão militar, como a Operação Fúria Urgente, na pequena ilha de Granada em 1983, os experimentos no Panamá contra Manuel Noriega na Operação Causa Justa em 1989 e a Operação Escudo no Deserto, táticas utilizadas no início da primeira guerra do Golfo em 1990. Especialistas mencionam a forte questão ideológica concentrada na figura do Secretário de Estado Marco Rubio. Como líder da comunidade anticomunista e dissidente do sul da Florida, o discurso radicalizado de Rubio serve aos interesses do complexo industrial “gusano” que anseia derrotar qualquer liderança de esquerda pelo caminho, de Lula a Gustavo Petro, passando por Cuba e pela Venezuela de Nicolás Maduro.

Independentemente da seriedade de propósito de real invasão, as medidas ilegais já ultrapassam meras ameaças. Nos últimos meses foram bárbaros ataques contra embarcações no Caribe e Pacífico, resultando o assassinato de dezenas de pessoas sob pretexto de serem narcoterroristas. São atos extravagantes porque afrontam qualquer limite normativo, até mesmo as regras mínimas de contenção do “direito na guerra” (jus in bello). Configuram atentados covardes contra pessoas não identificadas, ameaças generalizadas que trazem perigo e medo à região, criminalizam atividades econômicas e escondem reais interesses com graves efeitos para a segurança jurídica da região e do mundo.

Fontes governamentais preocupam-se, até certo ponto, em justificar os ataques em águas internacionais com fundamento de “guerra contra o narcoterrorismo”, mas o esforço é em vão. As guerras com apelo humanitário nunca foram novidade, assim como o uso de símbolos e heróis. Nesse contexto de iminente conflito, a atribuição do Prêmio Nobel da Paz a Maria Corina Machado é uma provocação indisfarçável, já que se trata de uma verdadeira traidora nacional, alguém que deseja abertamente a invasão militar e econômica do próprio país.

O Brasil tem se posicionado corretamente nos foros internacionais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). O Chanceler brasileiro Mauro Vieira, assim com o Embaixador Celso Amorim e o próprio Presidente Lula enfatizam a defesa da cooperação na América do Sul e de solidariedade regional à Venezuela como princípios regentes da política externa e manifestam interesse em colaborar em processos de mediação e solução diplomática de conflitos. Efetivamente, o Brasil tem 2 mil quilômetros de fronteiras na região do Amazonas e Roraima, além de um passado comum e solidário na defesa da democracia e contra as sanções econômicas unilaterais, e não pode ignorar o perigoso precedente de naturalização da guerra como meio de solução de controvérsias.

**Carol Proner e Larissa Ramina são advogadas, doutoras em direito internacional, Professoras da UFPR e UFRJ, integrantes da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Conselho Latinoamericano de Justiça e Democracia – CLAJUD.

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